Represento milhões de mães solteiras, diz Thammy sobre ação de Dia dos Pais da Natura

A campanha para o Dia dos Pais da Natura deste ano tentou mergulhar na rotina desafiadora da pandemia e mostrar que a presença paterna é o maior presente. A ação contou com um vídeo na televisão, mas nas redes sociais é que gerou mais repercussão.

Um time de 14 pais influentes foi chamado para falar no Instagram sobre suas experiências. Henrique Fogaça, Rafael Zulu, Babu Santana e Thammy Miranda foram alguns deles —e justamente esse último foi o que mais fez barulho.

Com a hashtag #MeuPaiPresente, Thammy postou um vídeo em que brinca, faz carinho, dá comida, mamadeira e faz dormir seu filho Bento, que completa 7 meses neste sábado (8).

A legenda que acompanhou a publicação é: “As melhores lembranças que meu filho vai ter de mim, sem dúvidas, serão das coisas boas que a gente viver junto, seja brincando, sendo amigo, educando… É essa energia de presença, de estar junto, acompanhando e sendo companheiro que eu tenho e vou continuar tendo com ele. Ser pai é isso! Estar presente é o melhor presente!”

A partir daí muitos comentários preconceituosos sobre o fato de o filho de Gretchen ser um homem trans começaram a surgir. Pessoas famosas, como Silas Malafaia, pediram boicote à marca.

Muitos homens se manifestaram por “não se sentirem representados”. “Por isso existem outros homens contratados na campanha”, afirma Thammy em entrevista por telefone. “Eu posso não representá-los, mas eu represento um outro grande nicho, eu represento outros homens trans, eu represento mais de 12 milhões de mães solteiras pelo Brasil, eu represento mais de 5 milhões de crianças que não têm o nome do pai na certidão de nascimento.”

Para Andrea Alvares, vice-presidente de marca, inovação, internacionalização e sustentabilidade da Natura, discutir o que choca a sociedade é uma questão importante. “Por que o Thammy no papel de um pai tão pleno é mais chocante do que um pai que desaparece, um pai violento ou um pai que não paga pensão?”

Em comunicado após a polêmica nas redes sociais, a empresa de cosméticos saiu em defesa de Thammy e afirmou que “celebra todas as maneiras de ser homem, livre de estereótipos e preconceitos, e acredita que essa masculinidade, quando encontra a paternidade, transforma relações”.

Outros famosos como Whindersson Nunes, Bruno Gagliasso e Adriane Galisteu  também saíram em defesa do pai do Bento. Felipe Neto se dispôs a fazer publicidade de graça à marca para apoiar.

Thammy conta que ficou surpreso com tamanha repercussão. “Acho que isso também mostra que o preconceito ainda é latente na nossa sociedade, como é um assunto que ainda precisa ser muito abordado.”

Eduardo Simon, presidente-executivo da agência DPZ&T, responsável pela campanha, vê com bons olhos a entrada de nomes famosos na discussão. “É positivo sobre a ótica de amplificar a conversa o envolvimento de qualquer celebridade. Seja qual for o ponto de vista, fizeram com que a conversa ganhasse uma dimensão muito maior. Eles acabam ajudando a carregar essa mensagem adiante”, avalia.

Para o executivo, o papel da Natura foi dar o pontapé inicial para conversa, mas a marca não é a dona da conversa. “A sociedade tomou para si essa a discussão sobre paternidade.”

As redes sociais da marca cresceram. Só no Instagram, por exemplo, desde segunda (26 de julho), houve mais de 130 mil novos seguidores,  segundo a plataforma de monitoramento Crowdtangle.

Andrea Alvares faz um balanço positivo da ação e avalia que a empresa encarou a situação com muita serenidade.  “A gente continua acreditando que o que se fez e as nossas escolhas são coerentes com que a marca acredita. Isso não é um oportunismo de momento é uma história de anos apoiado em inclusão.”

Sobre representatividade dentro da própria empresa, Andrea cita a metas para ter minorias em cargos de gestãoe  mudanças nos processos seletivos para a ascensão de mais negros, por exemplo.

De acordo com a Natura, “há coletivos formados por colaboradores, estagiários e prestadores de serviços que atuam na Natura, organizados em quatro pilares, correspondentes aos nossos focos de atuação. O Natura em Cores, grupo do pilar LGBTQIA+, foi o pioneiro e hoje reúne cerca de 140 participantes”.

“A proposta é amplificar as vozes representativas na empresa e ter processos e benefícios cada vez mais inclusivos. O grupo lidera ações de engajamento com colaboradores e tem voz ativa na definição de estratégias da empresa, a exemplo do posicionamento divulgado recentemente”, diz em nota.

Leia entrevista com Thammy Miranda

Inteligência de Mercado – Como está a quarentena? Tem ficado em casa?
Thammy Miranda – Eu estou em casa e só saio quando tem algum compromisso que não tem como ser online. Saio para ir ao mercado.Tenho ficado bastante em casa, me preservado bastante,  principalmente porque tem um bebezinho pequeno, então a gente tem receio de pegar esse vírus. Estamos em quarentena desde antes de março, porque a voltamos dos Estados Unidos em fevereiro. A gente já estava sem sair porque chegamos com o Bento bem pequenininho. O Bento vai fazer sete meses no dia 8 [de agosto] e a gente voltou quando ele tinha 45 dias. 

Por que decidiram fazer o parto lá?
Todo o processo de inseminação a gente fez lá em Miami. Então todos os nossos médicos eram de lá, quem fez todo o acompanhamento estava lá.

Pretendem ter outros filhos?
Você tem filho? Você não faz ideia do que é isso, rapaz. [risos] Quem canta aquela música ‘Nunca mais eu vou dormir…’ eu acho que quem fez foram um pai e uma mãe juntos[risos] A gente pensa em ter mais filhos, mas agora não. Vamos esperar o Bento crescer mais um pouquinho e ver o que acontece.

Thammy Miranda com o filho Bento Ferreira Miranda - Instagram/thammymiranda
Thammy Miranda com o filho Bento Ferreira Miranda – Instagram/thammymiranda

Qual o momento mais difícil do processo de transformação?
Não teve momento mais difícil para mim, sabia? Cada vez que eu descobria que eu podia me adequar à forma que eu me sentia por dentro ficava mais fácil. Por exemplo, fazer a terapia hormonal, fazer as cirurgias, cada vez que eu percebia que era possível chegar a mais próximo do jeito que eu me sentia por dentro era um alívio. Então não teve momento difícil para mim, muito pelo contrário. Eu via como vitória cada conquista que eu conseguia. Cada vez mais eu ia me adequando à forma que eu sempre sonhei, que eu sempre me senti na verdade e que eu não conseguia externar.

Já esperava a reação do público? 
Sinceramente? Não e acho que nem a Natura esperava. Fiquei surpreso. Mas eu acho que isso também mostra o preconceito ainda é latente na nossa sociedade, como é um assunto que ainda precisa ser muito abordado. E que bom que empresas como a Natura têm peito para isso, que têm consciência do quão importante é essa fala. Eu vi um vídeo de 2017 da Natura falando sobre homens e no vídeo há homens trans. A Natura vem com essa conversa há muito tempo. Eu acho que é só porque sou eu. Se fosse qualquer homem trans não teria dado esse alvoroço todo. Porque eu já era famoso.

Houve um movimento de homens que diziam não se sentir representados por você. Como lidar?
E não é para representá-los mesmo. Por isso existem outros homens contratados na campanha. Eu posso não representá-los, mas eu represento um outro grande nicho, eu represento outros homens trans, eu represento mais de 12 milhões de mães solteiras pelo Brasil, eu represento mais de 5 milhões de crianças que não têm o nome do pai na certidão de nascimento. Essas são as pessoas que eu represento. O meu público na internet é composto por 98% de mulheres. Meu público não é somente trans. E fica tudo bem não representar esses outros homens.  Foram contratados outros homens que podem representá-los. Agora eles têm que respeitar o nicho que eu represento.

A campanha recebeu críticas de nomes fortes, como Silas Malafaia, mas recebeu apoio de nomes como Felipe Neto, Gabriela Prioli, sua mãe… O que achou da repercussão?
Acho que foi a campanha da Natura que mais teve artistas participando. [risos] Eu tenho o privilégio de ter uma família muito presente, ter uma família muito receptiva, que sempre me apoiou e me deu forças. Mas tem muitas outras pessoas que não têm esse privilégio. E aí a gente precisa ter muito cuidado e cuidar das pessoas porque elas podem não estar tão fortes para receber essas críticas. Quando Silas Malafaia propõe um boicote à Natura, quem trabalha com Natura, as revendedoras da Natura, acredito que boa parte delas seja é de mulheres, usam essa renda extra para suprir a ausência de um pai que não ajuda a bancar os filhos. Quando ele propõe isso ele está tirando a oportunidade de trabalho dessas mulheres. O preconceito mata e a gente combate o ódio com amor. A gente não combate o ódio com ódio. O que ele está fazendo não é atitude de cristão. Cristão não tem atitude de apoiar o ódio contra nada ou contra ninguém.

Thammy Miranda com Gretchen (mãe), Bento (filho) e Andressa Brito (esposa) - Instagram/@thammymiranda
Thammy Miranda com Gretchen (mãe), Bento (filho) e Andressa Brito (esposa) – Instagram/@thammymiranda

E como lidar com os comentários e as mensagens de ódio nas redes para não abalar a saúde mental?
Eu não lido com isso. Eu não me permito lidar com isso, eu não vejo nenhum comentário. Mas nenhum mesmo. Se eu disser que li algum comentário ruim estarei mentindo para você. E nem permito que alguém aqui na minha casa leia. A gente não vai se contaminar com o ódio alheio. Esse ódio é da pessoa, esse ódio da pessoa e vai ficar com ela ponto na minha casa não entra esse tipo de energia. Aqui em casa a gente continua com alto astral, com muita alegria. A gente segue dançando, cantando, ouvindo música alta, tomando café da manhã juntos, almoçando, jantando juntos, colocando o Bento para dormir, dando banho no Bento, cuidando dele. Seguimos com a vida normal. A gente não lida com esse tipo de coisa. Se a intenção dessas pessoas é me agredir está acontecendo sem êxito. É bom eles pararem, porque estão agredindo outras pessoas, estão agredindo pessoas que se sentem representadas por mim, que têm carinho e amor por mim e pela minha família. Não estão me atingindo diretamente.

Há uma luta constante de minorias (negros e LGBTI+, principalmente) sobre representatividade na publicidade e em tantos outros setores. Você tem visto evolução? Como observa este cenário?
Mas sabe por que falta? Por que não são todas as empresas que têm esse peito de assumir isso, de bancar isso. Porque a Natura está recebendo um monte de crítica. E não são todas as empresas que querem passar por esse tipo de coisa. Há empresas que preferem ser isentas, mornas, nem não apoiar nem apoiar ferrenhamente. ‘A gente apoia, mas coloca dois casaizinhos gays e pronto. Bota pessoas desconhecidas, a gente representa, mas não dá um buchicho tão grande’. Fica assim ,meio nos panos quentes. É complicado para uma empresa assumir tudo isso que está acontecendo. E quando acontece esse tipo de coisa [discussões sobre campanhas] as pessoas ficam com medo de abordar uma segunda vez. E aí a representatividade fica cada vez mais escassa, vai ficando apagada. O que não pode acontecer é as empresas ficarem com medo disso, elas têm que ter coragem para isso se tornar normal.

Tem recebido mais convites para publicidade? Tem notado evolução no segmento?
Eu sinto que está evoluindo, porém eles [marcas] ainda se sentem assustados. Eu não posso dizer por eles, mas o que eu sinto é que ficam assustados com a dimensão das coisas, do que pode vir de negativo. Mas é necessário, porque só assim a gente vai ganhar espaço. Eu acho incrível esse posicionamento da Natura e fico honrado de participar de uma ação como essa, no meu primeiro Dia dos Pais. Eu tenho feito bastante coisa, graças a Deus. Eu acho que está evoluindo, sim, o mercado publicitário, querendo essa representatividade. Eu recebi outros convites de empresas que para mim não fazia sentido, mas com a Natura eu aceitei de pronto. 

Você concorreu ao cargo de vereador em 2016. Em junho, lançou sua pré-candidatura ao cargo novamente. O que pretende na política?
Eu sempre tive isso em mente, desde 2016, que foi na minha outra campanha, que é dar voz aos invisíveis. Eu acredito que Deus não me deu essa missão, essa visibilidade à toa. Agora com tudo isso que está acontecendo eu tenho certeza de que eu quero dar voz a essas pessoas que se sentem injustiçadas, que não se sentem representadas e que não se sentem acolhidas pela sociedade. Essas mulheres que sofrem violência doméstica, as crianças que se sentem abandonadas. Só existe esse tipo de reação com uma campanha dessas por falta de educação. Se as pessoas tivessem educação… É por isso que eu quero lutar. Nenhuma criança nasce com preconceito, ela precisa ser ensinada a ter esse preconceito.

Já tem algum projeto para apresentar?
Tenho vários projetos. Tenho o projeto de um Poupatempo social com ele eu pretendo que estejam todas as subprefeituras de São Paulo. Vai ser uma rede de encaminhamento. Por exemplo, uma mulher sofreu violência doméstica. Ela se sente constrangida de ir a uma delegacia e ser mais ainda humilhada, porque parece que a culpa é dela. Então esta rede vai ter encaminhamento para uma assistente social, o que ela deve fazer, ter informação de como ela vai conseguir um auxílio-aluguel, que existe para mulheres que são agredidas para ela sair desse círculo vicioso. Serão várias vertentes nesse Poupatempo social. Vai ter prioridade para conseguir empregos.

Quer dar uma mensagem de Dia dos Pais?
Eu espero que esse Dia dos Pais represente a palavra amor. Simples assim, respeito e amor. Se você tiver isso você tem  tudo. Não interessa se é a mãe solteira, se é a avó que faz o papel do pai. Se o pai não tem condição de bancar, mas dá carinho, afeto, amor. É super-válido também. Respeitar as diferenças dos outros e amar o próximo como a ti mesmo.