Pandemia é tsunami e indústria do turismo é a praia, diz diretor do Pestana sobre impactos
A crise gerada pelo novo coronavírus afetou diversos setores, claro. Com a restrição de mobilidade e regras de distanciamento social a indústria do turismo sofreu bastante. Segundo relatório da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) divulgado em outubro, o setor opera com 26% de capacidade mensal de geração de receitas, mesmo com a flexibilização crescente no Brasil.
“A melhor analogia a se fazer seria a de um tsunami e nesse contexto a indústria do turismo seria a praia”, afirma Gustavo Jarussi, diretor de operações para a América Latina da rede portuguesa de hotéis Pestana.
Em abril, por causa da pandemia de Covid-19, o grupo encerrou a operação do Pestana Convento do Carmo, em Salvador. Segundo a empresa, a capital baiana representa o único fechamento entre os 15 mil quartos espalhados por 15 países, em diferentes continentes como América, Europa e África.
No Brasil, o Pestana segue com unidades em São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro e busca adaptações para atrair o público. Álcool em gel pelos hotéis, mais higienização, uso de máscara obrigatório nas áreas comuns são algumas das medidas de segurança adotadas.
Parcerias estão no radar da rede. O terraço com vista para a praia de Copacabana, na zona sul da capital fluminense, é um ambiente disputado não só por turistas, mas por moradores do Rio.
Com um misto de bar e restaurante, o espaço conta com apoio da BMW desde meados de setembro e a operação de um grupo de entretenimento para jantares e eventos controlados.
“É mais uma atração não só para os nossos hóspedes [de fora], mas também para o próprio carioca, que assim, poderá jantar com a família ou os amigos em um lugar totalmente seguro que segue todas as normas de higiene e segurança estipuladas pela cidade do Rio de Janeiro”, diz o executivo.
Segundo economistas da CNC, o turismo deixou de receber de março a setembro quase R$ 208 bilhões em receita e a previsão de faturamento real do setor é de uma retração de 36,7% em 2020. Apesar da forte queda, a entidade observa sinais de recuperação, principalmente a partir de setembro, quando o faturamento do setor chegou a R$ 12,8 bilhões —28% a mais na comparação com agosto.
“A verdade é que estamos enfrentando algo desconhecido e pela primeira vez o mundo todo parou por algo que não estava no nosso imaginário. Agora, é hora de ir retomando a normalidade, respeitando sempre as questões de higiene e segurança e aguardar pela chegada da tão esperada vacina”, afirma o Gustavo Jarussi.
Abaixo, leia entrevista com Gustavo Jarussi, do grupo Pestana:
Inteligência de Mercado – Como foi a decisão de fechar o Pestana Convento, em Salvador?
Gustavo Jarussi – Decidimos manter as unidades hoteleiras de nossa propriedade no Brasil e tomamos essa dura decisão devido aos impactos financeiros causados pela pandemia. O Convento do Carmo é um belíssimo patrimônio histórico do século 16, entretanto tínhamos um contrato de aluguel que inviabilizava a sequência da administração hoteleira no mesmo momento em que estávamos com 98% de nossas unidades mundialmente suspensas nos 15 países em que atuamos.
Foi a segunda operação do grupo que deixou de existir na cidade, após sair do Lodge. Como observam o mercado na capital baiana? Pensam em voltar?
O Bahia Lodge foi primeiramente um exitoso projeto imobiliário concebido e lançado pelo Pestana Hotel Group no qual optamos por administrar pelo período de dez anos e por questões contratuais decidimos não renovar.
No caso do Convento do Carmo, tivemos que tomar essa dura decisão devido aos efeitos que a pandemia produziu no turismo em geral e acima de tudo pelos custos operacionais que tínhamos com o arrendamento desse maravilhoso patrimônio histórico e nesse momento quero expressar meu respeito e admiração pelos colaboradores que fizeram a história desse hotel e também uma menção especial a Província Carmelita de Santo Elias, que é a detentora do Convento do Carmo.
Por outro lado, temos em andamento um projeto que foi introduzido na Sedur (Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo) antes do início da pandemia, que prevê a revitalização da área que abriga o edifício do hotel Pestana Bahia que está inativo desde 2016.
Quais foram as principais ações para manter os hotéis no Brasil durante esta pandemia?
Primeiramente foi adequar nossa equipe para que pudéssemos ter mão de obra para uma retomada gradativa, logo em seguida aderimos à medida provisória governamental e suspendemos nossas operações nos meses de maio e junho, as mesmas reduções financeiras foram seguidas por todo o corpo diretivo da empresa. A totalidade de nossos contratos foram renegociados em 3 vertentes, sendo alguns cancelados e outros reduzidos ou suspensos por tempo determinado.
Em abril, criamos um comitê com 20 líderes estratégicos e multidisciplinares, onde passamos a nos reunir semanalmente para discutir os avanços e manter as pessoas conectadas com as estratégias da empresa. E por meio das mídias sociais e outros mecanismos chegávamos a nossos colaboradores que se encontravam suspensos e dessa forma podiam acompanhar nossas mensagens de forma transparente e elucidativa.
Nesse momento estamos com os hotéis abertos com operação reduzida e ajustaremos à medida que a ocupação exigir.
Observa grandes diferenças durante a pandemia entre o mercado brasileiro e o do resto da América Latina?
O denominador comum foi a depressão imediata na capacidade de negócios na nossa área de atuação que pela própria característica foi a primeira a sentir o impacto e será a última a se recuperar. A melhor analogia a se fazer seria a de um tsunami e nesse contexto a indústria do turismo seria a praia.
Os países tomaram medidas distintas para seus planos de ação e alguns pontos devem ser observados no que concerne à gestão de cada localidade. Por exemplo, o Peru (Lima), embora tenha sido também duramente atingido pela pandemia, manteve índices de ocupação superiores a 35% de ocupação nos seus hotéis e por outro lado na Argentina, grande parceiro comercial do Brasil onde também temos um hotel em Buenos Aires, adotou um lockdown mais severo.
O resultado nesse momento está mais desafiador pois a onda da pandemia e da economia estão chegando juntas e com muita força. Também fazendo uma analogia a respeito, é como o mergulhador que prendeu a respiração para imergir o mais profundo possível sem levar em consideração que ao terminar o oxigênio ainda teria que voltar a superfície. Outro aspecto que considero um pouco delicado foi a forma como foram difundidas mensagens que criaram pânico na população. Está sendo uma batalha em que grande parte das pessoas ficaram entrincheiradas como se o vírus fosse um furacão de passagem pelas cidades e nessa longa espera as notícias apenas enfatizavam dados muito negativos sem menção dos pontos positivos sobre as experiências que estavam sendo observadas e confirmadas pelos profissionais médicos na linha de frente.
Por fim, estamos falando de um país continental [o Brasil], o que por si já acarreta uma grande variação nos números das pessoas atingidas pela doença e na forma como ela se comporta ao longo do país e estados. A verdade é que estamos enfrentando algo desconhecido e pela primeira vez o mundo todo parou por algo que não estava no nosso imaginário. Agora, é hora de ir retomando a normalidade, respeitando sempre as questões de higiene e segurança e aguardar pela chegada da tão esperada vacina.
Quais as adaptações principais para sobreviver e operar durante a pandemia?
A principal adaptação foi o redimensionamento das operações para nova proposta de atendimento mais segura para nossos clientes e trabalhadores e renegociação dos custos fixos para diminuir o ponto de equilíbrio. Essa situação foi uma grande oportunidade para revisitar e melhorar processos operacionais que já estavam no automático. A principal fórmula para sobreviver em ambientes onde a demanda está baixa é buscar formas de gerar demanda adicional.
Como estão as operações do tradicional rooftop no Rio? Houve uma parceria com produtores locais para festas e afins? Foi um movimento novo durante a pandemia?
Esse é o primeiro movimento inovador nessa retomada não só em termos de concepção de produto, mas também de criação de negócio e parceria. Em termos de conceito, criamos uma experiência gastronômica de quinta-feira a domingo no jantar, que será diferente a cada dia e com menu de degustação assinado por um restaurante ou chef renomado do Rio de Janeiro. O principal parceiro é a conceituada marca BMW, a curadoria é do prestigiado grupo The Fork e a produção é feita pela talentosa Party Industry.
É mais uma atração não só para os nossos hóspedes [de fora], mas também para o próprio carioca, que assim, poderá jantar com a família ou os amigos em um lugar totalmente seguro que segue todas as normas de higiene e segurança estipuladas pela cidade do Rio de Janeiro.
O balanço destas semanas de operação tem sido fantástico, com muitas pessoas a visitarem o hotel, respeitando de forma eficaz o distanciamento social. Em vários dias tivemos mesas esgotadas. Outro dado interessante é que começamos a ter uma grande procura por hospedagem às quintas-feiras e domingos, dias esses que no mês anterior ao BMW Rooftop Experience não tínhamos.
O grupo chegou ao Brasil em 1999, com a unidade do Rio. A crise do novo coronavírus obviamente impactou os negócios. Há planos de expansão no país?
O Brasil tem uma grande importância para o Pestana Hotel Group, pois foi aqui que se começou a desenvolver um projeto de internacionalização ambicioso. A razão dessa escolha foi baseada nos costumes, língua e cultura Brasileira que estão próximas as raízes portuguesas e certamente foi escolhido Rio de Janeiro pela projeção internacional que tem. Isso abriu portas para outros mercados.
Nesse momento antes de falar de expansão se deve observar o desenvolvimento de cada região em que estamos presente nesse momento e retomar os projetos que já tínhamos planejados em nosso pipe line.
E como o marketing e a comunicação do hotel vão atuar para atrair mais hóspedes e reaquecer o setor?
O reaquecimento de nosso setor passa por diversas variáveis nas quais somos mais passageiro do que condutor, Neste momento, estamos na fase de gerar confiança ao cliente. Sabemos que os hotéis são lugares seguros, que seguem rigorosos protocolos de higiene e segurança, mas é fundamental que o cliente tenha essa percepção, tanto para realizar um evento ou até mesmo para uma viagem a lazer. Estamos fazendo um trabalho muito concentrado nas mídias sociais e isso tem gerado um retorno bastante satisfatório não só no engajamento que temos nos canais, mas também na forma segura e no feedback que os clientes nos passam quando têm a experiência conosco. Na prática, o que estamos desenvolvendo são produtos altamente diferenciadores e que oferecem uma experiência ímpar para o cliente. Como é o caso do rooftop do Pestana Rio Atlântica, os quartos e andares temáticos do Pestana São Paulo e as experiências gastronômicas do Pestana Curitiba.
O que o setor hoteleiro precisa fazer para conseguir se reerguer?
Todas as medidas tomadas pelo governo foram no intuito de estender a capacidade de sobrevida das empresas e possibilidade de retenção dos trabalhadores evitando um desemprego ainda maior. O setor hoteleiro sozinho é apenas uma parte da engrenagem e somente voltará a funcionar com ideias que incentivem a geração de demanda dentro da cadeia produtiva. Por um lado temos uma enorme recessão e, por outro, uma grande quantidade de pessoas que querem sair responsavelmente desse período de isolamento e consumir experiências que a coloquem em contato com a realidade novamente. As pessoas começarão a viajar novamente do próximo para o distante e do micro para o macro, a confiança é importantíssimo nessa etapa.